Em um ambiente de negócios cada vez mais complexo, com transformações rápidas nas esferas digital, regulatória e socioambiental, o processo de fusões e aquisições (M&A) exige uma abordagem jurídica mais ampla, técnica e estratégica. A due diligence jurídica, tradicionalmente voltada à avaliação de riscos contratuais e obrigações legais, passou a incorporar novas camadas de análise: aspectos de compliance, governança, LGPD, ESG, passivos ocultos e exposição reputacional.
Neste artigo, discutimos como os departamentos jurídicos e escritórios especializados podem se preparar para essa nova realidade, quais os principais desafios e benefícios de uma due diligence bem conduzida, e o papel estratégico do jurídico na tomada de decisão empresarial.
- A evolução da due diligence jurídica: de checklist para análise estratégica
Historicamente, a due diligence jurídica em processos de M&A concentrava-se na revisão de documentos societários, contratos-chave, processos judiciais e obrigações trabalhistas e tributárias. Embora esses elementos permaneçam centrais, o escopo atual se expandiu consideravelmente.
Com a entrada em vigor da LGPD, a popularização de normas ESG e o aumento da fiscalização sobre condutas empresariais, é esperado que a due diligence também avalie:
- Conformidade com legislação de proteção de dados;
- Políticas internas de integridade e compliance;
- Riscos ambientais e de segurança do trabalho;
- Práticas relacionadas a diversidade, assédio e condutas éticas;
- Relacionamento com stakeholders e histórico de crises reputacionais.
Essa abordagem mais abrangente visa não apenas detectar passivos, mas entender como a empresa-alvo se comporta no ecossistema regulatório e social em que está inserida.
- O papel do jurídico na geração de valor para a operação
O departamento jurídico ou o consultor externo responsável pela due diligence tem um papel que vai muito além da detecção de riscos. Sua atuação pode influenciar diretamente:
- A valoração da empresa-alvo;
- A definição de clausulas contratuais de proteção (ex: declarações e garantias);
- A negociação de mecanismos de ajuste de preço ou indenização;
- A estruturação pós-aquisição (ex: integração cultural, compliance e governança).
Com isso, o jurídico deixa de ser apenas um “verificador de documentos” e passa a atuar como parceiro estratégico na tomada de decisão. Essa mudança exige conhecimento aprofundado do setor da empresa, do contexto econômico e das exigências regulatórias em vigor.
- Os principais riscos que emergem no contexto atual
As preocupações jurídicas em M&A estão cada vez mais conectadas a aspectos não tradicionais. Entre os riscos emergentes, destacam-se:
- Inobservância à LGPD: multas, sanções e danos reputacionais por uso inadequado de dados pessoais;
- Falta de estrutura de compliance: inexistência de códigos de ética, canais de denúncia ou controles internos pode indicar risco operacional e cultural;
- Riscos ambientais e de passivos ocultos: especialmente em setores como indústria, energia e agronegócio;
- Litígios em andamento ou potenciais: a depender da estratégia, podem ser dealbreakers ou oportunidades de renegociação de valores.
- Como estruturar uma due diligence jurídica moderna
Para se adaptar a essa nova realidade, o processo de due diligence precisa ser estruturado com:
- Planejamento por área: societário, contratual, trabalhista, tributário, regulatório, ambiental, LGPD, compliance, entre outros;
- Ferramentas digitais: uso de plataformas de gestão documental e de análise automatizada;
- Equipe multidisciplinar: integração entre jurídico, financeiro, auditoria e tecnologia;
- Relatório executivo com recomendações: deve conter níveis de risco, impacto financeiro, sugestões de mitigação e possíveis clausulas para proteção contratual.
Essa estrutura é essencial para que a análise jurídica gere informações acionáveis para os decisores.
- Benefícios e desafios da abordagem ampliada
Benefícios:
- Aumento da segurança jurídica e financeira da operação;
- Redução de litígios futuros e de passivos não identificados;
- Integração mais eficaz pós-aquisição;
- Fortalecimento da imagem institucional frente a investidores e stakeholders.
Desafios:
- Aumento da complexidade e do tempo de análise;
- Dificuldade de acesso a informações críticas em empresas familiares ou desorganizadas;
- Necessidade de maior investimento em ferramentas e formação técnica.
- Tendências futuras para departamentos jurídicos e escritórios
A due diligence jurídica tende a se tornar cada vez mais especializada, com:
- Integração de IA para leitura e classificação de contratos;
- Relatórios dinâmicos e orientados a riscos de negócio, não apenas a nível documental;
- Parcerias com áreas de ESG, cibersegurança e proteção de dados;
- Participação do jurídico desde as fases iniciais da estratégia de aquisição.
Conclusão: o jurídico como agente de inteligência de negócios
A complexidade atual das operações de M&A exige que a due diligence jurídica seja mais do que um checklist legal. Trata-se de um processo que revela a qualidade da gestão, os riscos ocultos e as oportunidades de valor que podem ser negociadas e protegidas juridicamente.
Nesse contexto, o departamento jurídico ou escritório especializado assume papel central na criação de segurança, governança e inteligência para o negócio. É essa atuação técnica e estratégica que diferencia uma due diligence superficial de uma análise realmente transformadora para a tomada de decisão empresarial.