Due Diligence jurídico em fusões e aquisições: o que mudou com os novos riscos corporativos?

Em um ambiente de negócios cada vez mais complexo, com transformações rápidas nas esferas digital, regulatória e socioambiental, o processo de fusões e aquisições (M&A) exige uma abordagem jurídica mais ampla, técnica e estratégica. A due diligence jurídica, tradicionalmente voltada à avaliação de riscos contratuais e obrigações legais, passou a incorporar novas camadas de análise: aspectos de compliance, governança, LGPD, ESG, passivos ocultos e exposição reputacional.

Neste artigo, discutimos como os departamentos jurídicos e escritórios especializados podem se preparar para essa nova realidade, quais os principais desafios e benefícios de uma due diligence bem conduzida, e o papel estratégico do jurídico na tomada de decisão empresarial.

  1. A evolução da due diligence jurídica: de checklist para análise estratégica

Historicamente, a due diligence jurídica em processos de M&A concentrava-se na revisão de documentos societários, contratos-chave, processos judiciais e obrigações trabalhistas e tributárias. Embora esses elementos permaneçam centrais, o escopo atual se expandiu consideravelmente.

Com a entrada em vigor da LGPD, a popularização de normas ESG e o aumento da fiscalização sobre condutas empresariais, é esperado que a due diligence também avalie:

  • Conformidade com legislação de proteção de dados;
  • Políticas internas de integridade e compliance;
  • Riscos ambientais e de segurança do trabalho;
  • Práticas relacionadas a diversidade, assédio e condutas éticas;
  • Relacionamento com stakeholders e histórico de crises reputacionais.

Essa abordagem mais abrangente visa não apenas detectar passivos, mas entender como a empresa-alvo se comporta no ecossistema regulatório e social em que está inserida.

  1. O papel do jurídico na geração de valor para a operação

O departamento jurídico ou o consultor externo responsável pela due diligence tem um papel que vai muito além da detecção de riscos. Sua atuação pode influenciar diretamente:

  • A valoração da empresa-alvo;
  • A definição de clausulas contratuais de proteção (ex: declarações e garantias);
  • A negociação de mecanismos de ajuste de preço ou indenização;
  • A estruturação pós-aquisição (ex: integração cultural, compliance e governança).

Com isso, o jurídico deixa de ser apenas um “verificador de documentos” e passa a atuar como parceiro estratégico na tomada de decisão. Essa mudança exige conhecimento aprofundado do setor da empresa, do contexto econômico e das exigências regulatórias em vigor.

  1. Os principais riscos que emergem no contexto atual

As preocupações jurídicas em M&A estão cada vez mais conectadas a aspectos não tradicionais. Entre os riscos emergentes, destacam-se:

  • Inobservância à LGPD: multas, sanções e danos reputacionais por uso inadequado de dados pessoais;
  • Falta de estrutura de compliance: inexistência de códigos de ética, canais de denúncia ou controles internos pode indicar risco operacional e cultural;
  • Riscos ambientais e de passivos ocultos: especialmente em setores como indústria, energia e agronegócio;
  • Litígios em andamento ou potenciais: a depender da estratégia, podem ser dealbreakers ou oportunidades de renegociação de valores.
  1. Como estruturar uma due diligence jurídica moderna

Para se adaptar a essa nova realidade, o processo de due diligence precisa ser estruturado com:

  • Planejamento por área: societário, contratual, trabalhista, tributário, regulatório, ambiental, LGPD, compliance, entre outros;
  • Ferramentas digitais: uso de plataformas de gestão documental e de análise automatizada;
  • Equipe multidisciplinar: integração entre jurídico, financeiro, auditoria e tecnologia;
  • Relatório executivo com recomendações: deve conter níveis de risco, impacto financeiro, sugestões de mitigação e possíveis clausulas para proteção contratual.

Essa estrutura é essencial para que a análise jurídica gere informações acionáveis para os decisores.

  1. Benefícios e desafios da abordagem ampliada

Benefícios:

  • Aumento da segurança jurídica e financeira da operação;
  • Redução de litígios futuros e de passivos não identificados;
  • Integração mais eficaz pós-aquisição;
  • Fortalecimento da imagem institucional frente a investidores e stakeholders.

Desafios:

  • Aumento da complexidade e do tempo de análise;
  • Dificuldade de acesso a informações críticas em empresas familiares ou desorganizadas;
  • Necessidade de maior investimento em ferramentas e formação técnica.
  1. Tendências futuras para departamentos jurídicos e escritórios

A due diligence jurídica tende a se tornar cada vez mais especializada, com:

  • Integração de IA para leitura e classificação de contratos;
  • Relatórios dinâmicos e orientados a riscos de negócio, não apenas a nível documental;
  • Parcerias com áreas de ESG, cibersegurança e proteção de dados;
  • Participação do jurídico desde as fases iniciais da estratégia de aquisição.

Conclusão: o jurídico como agente de inteligência de negócios

A complexidade atual das operações de M&A exige que a due diligence jurídica seja mais do que um checklist legal. Trata-se de um processo que revela a qualidade da gestão, os riscos ocultos e as oportunidades de valor que podem ser negociadas e protegidas juridicamente.

Nesse contexto, o departamento jurídico ou escritório especializado assume papel central na criação de segurança, governança e inteligência para o negócio. É essa atuação técnica e estratégica que diferencia uma due diligence superficial de uma análise realmente transformadora para a tomada de decisão empresarial.